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A inteligência social, as filas no SXSW e a viagem para a lua de Júpiter!
Social intelligence, SXSW lines and a trip to Jupiter's moon!
03.2024
Artigo de Fred Gelli para Fast Company
Article by Fred Gelli for Fast Company
Texto em Português e Inglês | Text in Portuguese and English
[PT]
Cinco dias no SXSW foram uma inspiração poderosa para a escolha do tema para este artigo. Com tanta coisa acontecendo em tão pouco tempo, tanta gente inteligente pelas sessões do centro de convenções, pelos corredores, nas happy hours e nas festas, participar do festival representou quase que uma overdose de insights e provocações.
Como esperado, as inteligências artificiais, suas dores e delícias foram o tema recorrente dentro e fora dos palcos. Amy Webb coloca lenha na fogueira adicionando outras duas tecnologias que juntas formam o que ela chama de “superciclo’’, os sistemas de wearables interconectados e a biotecnologia. O impacto desse alinhamento de inovações disruptivas vai transformar exponencialmente nossas vidas.
Até aí nenhuma grande surpresa. A novidade mesmo, para mim, nesses dias que estive por lá com meu sócio Pedro Medicis, foi a “inteligência social”. Aquela que sempre usamos, que nos trouxe até aqui e que nos diferencia de outras espécies. Uma capacidade de conexão bem diferente da que acontece virtualmente, que tem a ver com o olho no olho, com a proximidade e o imprevisível, com o abraço e com uma energia abstrata difícil de definir. Aquela que desenvolvemos lá atrás em volta das fogueiras, nas rodas de tambores ancestrais, em que por meio da música, das histórias e das experiências compartilhadas, criamos cultura e abrimos espaço para resolvermos desafios de nossa trajetória.
Na minha opinião, o melhor do festival foram as trocas que aconteceram com o poder real do encontro. Parece brincadeira, mas um dos pontos altos eram as grandes filas para as palestras, em que esbarrávamos com amigos, clientes ou simplesmente começávamos a conversar com um desconhecido genial que veio do outro lado do mundo.
Crédito: Reprodução/ Instagram
Aqui as trocas são ricas com pontos de vista sobre conteúdos se misturando, ideias surgindo reforçando relações que já existiam ou abrindo espaço para novas. Alguém me disse que deveriam acabar com as filas usando RFADs nos celulares e eu disse “nãoooo”! O tempo de respiro entre conteúdos e as trocas especiais, mais do que justificam essa estrutura quase pré-histórica. Também destaco os funcionários com bandeirinhas super analógicas sinalizando o “end of the line”.
As happy hours e as festas e até o famoso Pete’s também foram palco de muita conexão legal. A mistura de gente especial e com guarda baixa, interessados nas trocas e ainda com um pouco, ou muita, bebida, também sempre presente nos rituais ancestrais, criaram o ambiente perfeito para que as ideias fluíssem. Foram muitas. Desde uma série para TV em um papo com Edu Lyra e KondZilla, até uma ideia ambiciosa que amadureceu em um papo com Wal Flor, Raul Santa helena e Renato Haramura, para fazer uso da força criativa coletiva que o festival reúne para ajudar a resolver os principais desafios que temos pela frente.
Hugh Forrest (Crédito: SXSW)
Voltei inclusive com o cartão do CEO do SXSW, Hugh Forrest, que pareceu ter curtido a possibilidade e quer recebê-la estruturada por e-mail.
Ainda sobre a inteligência social, saí com um sentimento de que muitas vezes, conteúdos incríveis, compartilhados pelas maiores autoridades dos temas, ficavam pouco atraentes, gerando bocejos na plateia, exatamente pela falta de ingredientes expressivos que transcendem nossa intelectualidade. Não dá para desprezar a forma. Como defende Marshal McLuhan, o meio é a mensagem. A forma como transmitimos informações moldam nossa compreensão. Quando uma mesa é montada com quatro especialistas com algum assunto incrível, mas que investiram pouco na forma de compartilharem suas experiências e, ainda por cima, com um mediador sem carisma, é um grande desperdício de energia. O encontro entre aquelas inteligências acumuladas no palco e a plateia ávida pelo conhecimento não acontece na plenitude.
O contraponto foi a participação do Kdu dos Anjos, da ONG Lá da Favelinha, que no final da sua apresentação na casa São Paulo levantou e declamou uma poesia ritmada e potente que traduzia em prosa tudo o que foi discutido naquela manhã do “Favela Day”, por sinal uma das melhores experiências do festival.
Casa São Paulo no SXSW (Crédito: Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo)
Ali a forma era parte do conteúdo. Ele todo vestido com flores bordadas fez a plateia se emocionar e aplaudir de pé. O recado estava dado. Mensagem contundente da realidade das comunidades, seus sonhos e ambições, indo direto para nossas cabeças, mas passando pelo coração.
Na Tátil chamamos de Design Feeling a tecnologia de garantir conexões emocionais entre conteúdos e audiências, sempre passando pelas dimensões poéticas e estéticas. Inclusive acho que existe um espaço enorme para o Brasil, que tinha a maior delegação na plateia mais pouco presente nos palcos.
Somos um povo fera demais em engajar pela emoção. Podemos dar nossos recados para o mundo misturando nossa erudição com nosso borogodó. Fica a dica para todo mundo que sentir o chamado aplicar seus conteúdos no ano que vem. As inscrições começam em junho.
Para fechar, vale citar o começo, mais precisamente a palestra de abertura do festival em que a cientista da NASA, Lori Glaze, dividiu o palco com a poetisa americana Ada Limón. Uma poesia de Ada estará gravada em uma placa na nave que chegará em Europa, uma das luas de Júpiter. A NASA acredita que possa existir por lá uma enorme quantidade de água líquida com material orgânico e energia e, quem sabe, vida. Na conversa entre elas o convite era exatamente para que abríssemos espaço em nossa visão de como o futuro emergirá, considerando o balanço entre a tecnologia que está nos levando a explorar o universo com a tecnologia que nos faz ser humanos. Nossos sentidos, nossa capacidade de imaginar, de inventar o abstrato, de fazer arte e poesia. A cabeça e o coração em sintonia para seguirmos em nossa jornada evolutiva.
Aqui, o poema de Ada Limón:
Arqueando sob o céu noturno cheio de expansividade negra, apontamos para os planetas que conhecemos, nós pregamos desejos rápidos em estrelas.
Da terra, lemos o céu como se fosse um livro infalível do universo, experiente e evidente.
Ainda assim, existem mistérios abaixo do nosso céu: o canto da baleia, o pássaro cantante cantando seu chamado no galho de uma árvore sacudida pelo vento.
Somos criaturas de admiração constante, curiosas pela beleza, pelas folhas e flores, pela dor e pelo prazer, pelo sol e pela sombra.
E não é a escuridão que nos une, nem a fria distância do espaço, mas a oferenda de água, cada gota de chuva, cada riacho, cada pulso, cada veia.
Ó segunda lua, nós também somos feitos de água, de mares vastos e convidativos.
Nós também somos feitos de maravilhas, de amores grandiosos e comuns, de pequenos mundos invisíveis, de uma necessidade de clamar na escuridão.
Ada Limon
[EN]
Five days at SXSW were a powerful inspiration for choosing the topic of this article. With so much happening in such a short time, so many intelligent people at the convention center sessions, in the corridors, at happy hours, and parties, attending the festival was almost an overdose of insights and provocations.
As expected, artificial intelligences, their pains and pleasures were a recurring theme both on and off the stages. Amy Webb stokes the fire by adding two other technologies that together form what she calls a “supercycle” — interconnected wearable systems and biotechnology. The impact of this alignment of disruptive innovations will transform our lives exponentially.
Up to this point, no big surprises. The real novelty for me, during those days I spent there with my partner Pedro Medicis, was “social intelligence.” The kind we’ve always used, that brought us to this point, and that sets us apart from other species. A type of connection quite different from what happens virtually, involving eye contact, proximity, the unpredictable, hugs, and an abstract energy that’s hard to define. The kind we developed back in the days around campfires, in circles of ancestral drums, where through music, stories, and shared experiences, we created culture and opened spaces to solve challenges in our journey.
In my opinion, the best part of the festival were the exchanges that happened with the real power of the encounter. It sounds funny, but one of the highlights were the long queues for the talks, where we bumped into friends, clients, or simply started talking to some brilliant stranger from the other side of the world.
Crédito: Reprodução/ Instagram
Here the exchanges are rich with viewpoints on content mixing, ideas emerging reinforcing relationships that already existed or opening space for new ones. Someone told me they should eliminate the queues using RFIDs on cellphones, and I said “noooo!” The breathing space between content and the special exchanges more than justify this almost prehistoric structure. I also highlight the staff with very analog flags signaling the “end of the line.”
The happy hours, parties, and even the famous Pete’s were also stages for a lot of cool connections. The mix of special people with their guard down, interested in the exchanges, and still with a bit, or a lot, of drink — also always present in ancestral rituals — created the perfect environment for ideas to flow. There were many. From a TV series in a chat with Edu Lyra and KondZilla, to an ambitious idea that matured in a conversation with Wal Flor, Raul Santa Helena, and Renato Haramura, to make use of the collective creative force that the festival gathers to help solve the main challenges we have ahead.
Hugh Forrest (Credit: SXSW)
I even returned with the business card of the CEO of SXSW, Hugh Forrest, who seemed to have enjoyed the possibility and wants to receive it structured by email.
Still on social intelligence, I left with a feeling that often, incredible content, shared by the greatest authorities on the topics, became unattractive, generating yawns in the audience, exactly because of the lack of expressive ingredients that transcend our intellectuality. We cannot disregard the form. As Marshal McLuhan defends, the medium is the message. The way we transmit information shapes our understanding. When a panel is set up with four experts on some incredible topic, but they invested little in the way of sharing their experiences, and moreover, with a charisma-less moderator, it is a great waste of energy. The meeting between those accumulated intelligences on the stage and the audience eager for knowledge does not occur in its fullness.
As Marshal McLuhan argues, the medium is the message. The way we transmit information shapes our understanding. When a panel is assembled with four experts on an incredible topic but who have invested little in the way of sharing their experiences, and moreover, with a charisma-less moderator, it’s a great waste of energy. The meeting between those accumulated intelligences on stage and an audience hungry for knowledge does not fully happen.
The counterpoint was the participation of Kdu dos Anjos from the NGO Lá da Favelinha, who at the end of his presentation at the São Paulo house stood up and recited a rhythmic and powerful poetry that encapsulated in prose everything discussed that morning of “Favela Day,” incidentally one of the festival’s best experiences.
Casa São Paulo at SXSW (Credit: São Paulo State Department of Culture)
There, form was part of the content. Dressed entirely in embroidered flowers, he moved the audience to tears and a standing ovation. The message was clear. A compelling message about the reality of the communities, their dreams and ambitions, going straight to our heads, but passing through the heart.
At Tátil, we call it Design Feeling — the technology to ensure emotional connections between content and audiences, always through poetic and aesthetic dimensions. I believe there’s a huge space for Brazil, which had the largest delegation in the audience but was scarcely present on the stages.
We are a people too good at engaging through emotion. We can deliver our messages to the world by mixing our erudition with our unique flair. A tip for everyone who feels the call to apply their content next year. Registration starts in June.
To conclude, it’s worth mentioning the beginning, specifically the festival’s opening lecture where NASA scientist Lori Glaze shared the stage with American poet Ada Limón. A poem by Ada will be engraved on a plaque on the spacecraft that will reach Europa, one of Jupiter’s moons. NASA believes there could be a vast amount of liquid water with organic material and energy there, and perhaps, life. In their conversation, the invitation was precisely to open up our vision of how the future will emerge, considering the balance between the technology that is leading us to explore the universe and the technology that makes us human. Our senses, our ability to imagine, to invent the abstract, to create art and poetry. The head and the heart in harmony as we continue on our evolutionary journey.
Here, Ada Limón’s poem:
Arching under the night sky filled with expansive blackness, we point to the planets we know, we pin quick wishes on stars.
From earth, we read the sky as if it were an infallible book of the universe, seasoned and apparent.
Yet, there are mysteries beneath our sky: the whale’s song, the songbird singing its call on the branch of a tree shaken by the wind.
We are creatures of constant wonder, curious about beauty, about leaves and flowers, about pain and pleasure, about sun and shadow.
And it is not the darkness that unites us, nor the cold distance of space, but the offering of water, every drop of rain, every stream, every pulse, every vein.
Oh second moon, we too are made of water, of vast and inviting seas.
We too are made of wonders, of grand and common loves, of small invisible worlds, of a need to cry out in the darkness.
Ada Limon
Ficha Técnica
Texto:
Fred Gelli
Comunicação&Mkt&Marca Tátil:
Luiza Magalhães, Marcelo Cândido e Natália Silveira
Assessoria:
Flávia Nakamura